terça-feira, 31 de julho de 2007

sonho bom.

- Mas você decidiu pra que vai prestar vestibular?
Ele com um sorriso malandro responde:
- Se tivesse pra Vagabundagem eu faria.
E os outros com olhares cúmplices concordaram:
- Oh, quem não o faria?
- Sem dúvidas, seria o curso mais concorrido de todos!
- Até porque quem passasse teria a vida ganha!
- E seria um exemplo! Um orgulho!
- Além do quê, com o diploma na mão a pessoa ainda teria direito a cela especial, caso fosse preso.
- Aí, pra Vagabundagem eu estudava. E bem muito!
E ao ouvir isso, ela interrompeu abruptamente:
- Mas gente, o vestibular pra esse curso não poderia ser convencional.
A declaração, embora curta, bastou para começar a polêmica e os protestos.
- Como que no?? – perguntavam incrédulos.
- Lógico que não! – ela se defendia – Somente pessoas com o verdadeiro dom poderiam cursá-lo. Seria um processo específico e rigoroso.
- Sim, mas de que tipo? – veio a pergunta desconfiada.
- Com provas práticas, inclusive. E questões de altíssimo nível.
- Você é louca?
- Não, estou sendo realista! Qual sentido cobrar que a pessoa saiba como funciona a energia ATP ou se o movimento de um objeto qualquer é constante ou variado se, na verdade, tudo o que ela não precisa é de base e, sim, conhecimentos específicos?
- Conhecimentos específicos?!
- É! Por exemplo: qual das alternativas é mais apropriada pra um legítimo vagabundo em plena segunda-feira?
a) acordar meio-dia.
b) acordar cedo, comer, assistir televisão e voltar a dormir.
c) colocar o despertador pra que possa aproveitar a manhã jogando vídeo-game.
d) chegar em casa seis da manhã depois de uma festa que começou no sábado.?”

E de forma pensativa, todos concordam como seria uma seleção difícil.
- Marcava letra A.
- Não... É a D. Vagabundo que é vagabundo volta de manhã da farra!
- Eu tiro por mim, gente. Acordar, comer, ver TV e dormi é praxe.
- Mas será que é uma rotina constante? Será que isso deve ser levado em consideração?
- Porque a lógica conta, não conta?

E por mais que eu tenha bolado a questão, confesso que não me atrevo a assinalar uma alternativa com total segurança. Mas sei que o que ia aparecer de recurso nesse vest, besta não contava! ;)

[O teu saber pouco vale se ninguém souber que tu sabes.] Pérsio

segunda-feira, 30 de julho de 2007

no mundo.

- Leva a gente, tia?
- Vocês não têm carona, não?
- Tá difícil. Foi decidido agora. Leva mãe!
Ela desconversa, desanda, enrola e a gente sente que não rola.
Mas tudo bem. Está tudo bem.
Voltamos pro quarto, colocamos uma música e deitadas na cama poderíamos seguir a madrugada inteira conversando.
- Cadê aquela tequila mexicana legítima que tua irmã trouxe?
- Você quer?
- O quê você acha?
- Que precisamos sair. Bora?
Bora!
É só dar tempo de tomar banho, escolher a roupa e sair de casa na ponta dos pés.
- Mas tua mãe não vai brigar por sairmos sem avisar?
- Nós só saberemos quando voltarmos.
Rua deserta. Está ela, eu e a Tequila - a Mexicana, todas nós rumo África - a boate.
- E num futuro não tão distante podemos pensar “nazóropa”, falamos rindo, seguras e felizes.
- Seguras mesmo! Amiga, é tarde, está deserto, está escuro... E eu não sinto um pingo de medo!
E só terminar de falar e ver um carro passar devagarzinho sai de forma involuntária:
- Ai, Dê, socorro, tô com medo, tô com medo, tô com medo!
Não demora nada, chegamos aonde queríamos e: ninguééééém!
- Mas é a gente que faz a festa, né?
Então pronto.
Nós balançamos o esqueleto no dance, trance, mas só nos animamos a chegada do funk:

“e vai descendo, descendo, perdendo a linha devagar
e vai subindo, subindo, ela não pára de dançar”.

Acaba a música, acaba o funk, acaba a vontade de estar ali. Eu olho, ela entende, nos despedimos e saímos contabilizando a noite.
- Porque ainda assim conseguimos voltar pra casa de manhã! São duas e meia!
- Verdade! Ninguém disse amanhecendo!
E o silêncio da madrugada é cortado pelo eco de nossas vozes...

E quando eu penso que num final de semana a gente apronta uma dessas e no outro você se mandou, dói no coração.
- Mas eu não estou morrendo. Eu estou só indo embora!
Eu sei, nega. É só drama. É só saudade...

[Muitos amigos de final de madrugada,
Um forte abraço, um até logo e tudo bem,
Mas o amigo verdadeiro sempre fica,
Pra qualquer hora, se preciso ele vem] Amigo Verdadeiro

domingo, 22 de julho de 2007

Deus nos pague.

É blog largado, é o quarto bagunçado, é livro se acumulando, é dívida pra pagar, é o vencimento do cartão batendo na porta, é bater perna na rua, é festa, é fim de festa, é tanta criança, é envelhecer antes do tempo, é sono, é aniversário de mãe chegando, é não ter dinheiro pra comprar presente, é roupa suja misturada com roupa limpa, é fazer besteiras, é tentar concertar, é o sonho da independência, é mais sonho que realidade, é lutar pela realidade, é querer abrir uma loja, é burocracia, é não ter dinheiro, é correr atrás, é perder o fôlego, é mudar de assunto, é amiga que vai embora, é a saudade já chegando, é dor de cabeça de manhã cedo, é gente morrendo, é avião caindo, é coração doendo, é tanto o que dizer e eu não saber nem por onde começar.
E ainda assim, eu tô voltando...

[Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir:
Deus lhe pague] Deus Lhe Pague, Chico Buarque

terça-feira, 10 de julho de 2007

sede.

No décimo quinto andar de um dos prédios mais imponentes do centro da cidade, ele via pontinho de pessoas lá embaixo que mais pareciam pequenas formigas.
Sentou-se na poltrona satisfeito por pelo novo emprego, o novo cargo, a chefia.
Apertou um botão num segundo e no outro entrou na sala a secretária, nervosa, mostrando-lhe além de documentos muita disposição e eficiência:
- O senhor gostaria de tomar alguma coisa?
- Sim, por favor. Dê-me uma dose de whisk.
- Er... Não temos whisk – respondeu ela num emaranhar de mãos.
- Então traga conhaque!
- Na verdade nem conhaque, senhor.
Fitando-a por cima dos óculos ele falou impaciente:
- Minha filha, que seja vinho, tequila, cerveja... Qualquer coisa.
- Que tal um suco?
- Se tiver álcool... – respondeu dando com os ombros.
- Justamente, nós não temos álcool!
Foi então que pulou da cadeira assombrado:
- Nem em gel??

[Mais uma dose?
É claro que eu tô a fim
A noite nunca tem fim
Baby, por que a gente é assim?] Por que a gente é assim?, Barão Vermelho

segunda-feira, 9 de julho de 2007

vó Zefa.

Às vezes ela aparece com uma expressão preocupada e me diz num tom baixinho, como quem conta um segredo:
- O seu avô! Hoje ele não falou nada... Eu até pergunto as coisas pra ver se ele responde, mas nem isso... O que será?
E então eu digo que é assim mesmo, que tem dias que a gente quer ficar calado, pensando na vida.
Noutras vezes ela vem com um ar irritado, esbravejando:
- O seu avô! Falando como um louco pela casa. Sozinho! Eu já mandei calar a boca, mas quem disse que cala?
Eis a minha avó.

Mas a contradição veio desde sempre porque ao nasceu, morreu sua mãe. E por mais que não exista na sua memória uma recordação só sua, sem traços alheios, sem narrações de outros autores, ela a ama de tal forma que nada faz esse amor menor.
- Às vezes eu queria ser um passarinho só pra sair voando.
- E pra onde a senhora ia, vó?
- Pra todos os cantos! Para lugares que eu nunca fui... E também que estive pra saber como estão.
E então eu vejo naqueles olhos claros e distantes ela passeando pelo seu mundo de memórias.
Fala dos seus tempos de criança, da escola, palmatória e do quanto doía estudar!
- Relembrar o passado é sofrer duas vezes – me diz.
- Ou ser feliz duas vezes – eu digo.
- Depende da estória.
E fala coisas da semana passada como se fossem de décadas atrás e coisas de décadas atrás como se fosse da semana passada. Quando envelhecer, quero minhas estórias no meu rosto também!
Essa semana a vó Zefa fez oitenta e cinco anos. ;)


[Os anos ensinam muita coisa que os dias desconhecem] Emerson

quinta-feira, 5 de julho de 2007

a matrícula.

Quando estou com a Germana podemos falar sobre qualquer coisa: música, política, moda, comportamento, sexo, beleza, culinária, porque os nossos papos sempre nos levarão a nossa futura vida universitária:
- Quem serão os nossos professores?
- E quais deles odiaremos?
- E o trote?
- Eu quero com tudo! Dinheiro no sinal, tinta guache...
- Eu não! Quero só as aulas!
- Será que a gente vai querer assistir todas ou matar todas?
- Acho que matar, né?
- Sem falar do pessoal. Cara, eu queria uma turma bem unida!
- Pior que sempre tem um filho da puta...
- Se não for uma de nós, acho que tudo bem.
- Verdade.

Talvez um pouquinho dessa especulação tenha acabado com o gostinho da nossa inscrição.
Fui dormir tarde e acordei bem cedo pela ansiedade que me toma a qualquer acontecimento importante, lembrando antes de sair de casa das minhas carteiras de estudante e identidade que não estavam comigo pelo cinema de sexta e minha roupa sem bolsos.
- Pai... Eu preciso que o senhor vá ali antes comigo.
- Ali onde?
- Ali.
Meu nervosismo devia estar tamanho que ele não falou nada ao que normalmente reclamaria horrores.

No DEG [Departamento não-sEi-oque-lá de Graduação], enquanto eu preenchia meu formulário, tentava adivinhar o curso daquelas pessoas apenas pelos seus rostos e o quão certas elas estavam das escolhas delas – e eu das minhas.
Lembrei de um amigo do cursinho que ia tentar Medicina (e acabou conseguindo) e da vez que eu perguntei a razão dele escolher seu curso:
- Eu não saberia fazer outra coisa.
E naquele instante até hoje eu penso que poderia fazer tanta coisa que tenho até medo de acabar não fazendo nada.

- Próximo.
A mulher simpática checou meus documentos e me descobriu sem a xérox da certidão de nascimento.
- Mas vamos ver se você só esqueceu isso.
E eu lembrei da minha foto 3x4 em casa, mas a vergonha me possuiu de uma forma que eu fingi procurá-la na minha pasta e para dizer: perdi.
Disse com uma carinha de coitada que se não soubesse do que estava acontecendo, ia até sentir pena do jeito que eu acho que ela sentiu, pois começamos a procurar juntas e quanto mais ela procurava, mais vergonha eu sentia e quanto mais vergonha eu sentia, mais eu pensava que precisava sustentar minha mentira!
- Deixa moça. Eu volto em casa e pego outra.
Ao voltar reparei em algumas pessoas que estudarão comigo e que hoje não passam de estranhas.
Tentei mensurar o quanto nossas vidas vão mudar começando por um ‘bom tarde’ trazido de casa para quebrar o silêncio, para mais tarde virarem conversas de risos frouxos, desabafo ou discussões. Pensei também em quantas pessoas estou para conhecer, dos famosos “não crie expectativas” e de que, de certa forma, é impossível não criá-las.
Em seis meses a minha vida foi de uma moleza incrível e de um tédio insuportável. E em seis meses vai ser tudo tão novo que eu não consigo nem pensar.
O que me aguarda? Ou será que eu que estou aguardando?

- Seja bem vinda e boa sorte - a moça disse pra mim, como já tinha dito para todos os que havia atendido antes.
Recebi a grade curricular, reclamei por ser tão pouquinho e ri com ela ao concordarmos que a minha opinião pode mudar em pouquíssimo tempo.
- De qualquer forma – ela me disse um pouco antes de me levantar - boa sorte!

[A melhor coisa do futuro é o fato de chegar um dia de cada vez] Abraham Lincoln

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Devaneio

Palavras de amor que não digo
Que emito
Eu só sonhei dizê-las.
Sonhar é coisa estranha
É viver numa outra dimensão.
Sonhos são extensões da vida
Sonhos existem em outro lugar
Lugar distante, lugar comum.
E as nuvens não são algodão
E por ser luzes as estrelas apagarão.
Quisera alguém me assegurar
Que na próxima vida
Viveremos apenas de alucinações.
Quisera alguém me comprovar
Que para tudo neste mundo há razões.

Elânia Cristina